ENTRE A RASGA MORTALHA E SANKOFA - a partir de “Sankofa: cantando e recontado histórias do cangaço e da jova” do Bando Jaçanã
- capivara crítica
- 28 de abr.
- 2 min de leitura
Poderiam mortos contar histórias? Se em outros lugares essa pergunta parece mero misticismo, no Brasil a Morte é a nossa principal narradora. Uma longa tradição literária e teatral nos coloca diante do fato de que, em um país periférico, a Morte é o elemento que rege a Vida, e não o contrário. As violências do Estado insistem em interromper os fluxos que conectam passado, presente e futuro. Ao se instalar como narradora, a Morte impede a existência de outras narrativas.
É na contramão desse processo que o Bando Jaçanã busca operar, tentando estabelecer as pontes entre o passado e o presente, entre o sertão e a periferia. Em uma dramaturgia espiralar, na qual a perseguição ao cangaço se mistura às chacinas ocorridas nas favelas, vamos encontrando narradores que afastam a morte para que possamos conectar o que fomos ao que somos. Nesse caminho encontramos Dadá, única sobrevivente do Bando de Lampião, cuja voz é coralizada por várias atrizes para contar seu ponto de vista enquanto mulher dentro do cangaço. Também ouvimos a voz de Lampião, através de sua própria cabeça degolada, que questiona a espetacularização da violência: se antes expunham corpos em praça pública, hoje televisionamos assassinatos no Brasil Urgente.
Nesse elo temporal, nos deslocamos para o Bar das Encruzilhadas na Zona Norte. Lá novamente um coro de Marias conta cada uma sua história, e ao contar suas próprias histórias contam também a história do Morro da Jova Rural. Se antes, o coro buscava mostrar o ponto de vista de uma única personagem, aqui vemos várias personagens vindas de outros lugares que se juntam para narrar a perspectiva de um bairro. Essa mudança também é perceptível nos dois narradores que acompanham a peça inteira: ora se revelam enquanto rasga-mortalha, ave do mau agouro; ora se mostram enquanto sankofa, pássaro sagrado que conecta e embaralha os tempos. Na espiral, os procedimentos utilizados anteriormente sempre retornam com outra característica, outra função, evidenciando não a repetição dos acontecimentos, mas sim sua transformação.

.png)




Comentários