O QUE FAZER COM UMA CABEÇA DECEPADA? - sobre Inventário das Coisas Esquecidas, do Coletivo Tresbeira
- capivara crítica
- 28 de abr.
- 2 min de leitura
Quando, em 1919, Pedro Bruno pintou o quadro “A Pátria”, ele buscava transmitir a ideia de uma construção pacífica de um país imaginário. Quando, em 2022, uma atriz submerge em um aquário esse mesmo quadro, compreendemos que a construção já era ruína desde o início. Sobre os reflexos da água, as partes da bandeira não se harmonizam num todo uniforme; permanecem como fragmentos dissonantes, enfatizados pelos lapsos vocais e corporais emitidos pela atriz. Em seguida, um cirurgião opera com seu meticuloso bisturi as páginas dos “Sertões”, de Euclides da Cunha. Por fim, cada atriz e ator vão ao palco defender a sua ideia sobre o destino da cabeça decepada de Antônio Conselheiro. Uma propõe que ela seja exposta ao lado da cabeça de São João Batista, juntamente com quadros de Salomé em uma exposição sobre a fixação do séc. XIX em retratar decapitações. Outra tem a ideia de santificá-la. Um outro propõe que ela seja o tema da próxima edição da Bienal de São Paulo. Por fim, a última quer que a cabeça seja destruída.
Emulando o corpo do líder esquartejado, o espetáculo tem como conceito estruturante o fragmento: seja na dissociação entre voz e corpo, seja nos recortes textuais, nos pedaços de carvão, nos pontos de vista sobre a cabeça. Se por um lado, essa estrutura revela um país dilacerado, escondido por baixo da bandeira do quadro de Pedro Bruno; por outro ela é sintoma da dificuldade de articularmos diferentes perspectivas a favor de uma decisão comum. Giramos em falso sobre o abismo de não conseguir encontrar uma posição diante das possibilidades que nos são mostradas. Cada ponto de vista recebe uma crítica do que vem em seguida, o que poderia nos levar ao movimento dialético de teses e antítese, mas que acaba nos tornando indecisos em nossa inação. Ao fim, não sabemos o que fazer com a cabeça decepada, com o livro de Euclides, com a Guerra de Canudos, com o país.

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