O QUE É IMPORTANTE É CONSEGUIR AGUENTAR (?) - sobre Julius Caesar: vidas paralelas da Cia. dos Atores
- capivara crítica
- 28 de abr.
- 2 min de leitura
No final de A Gaivota - escrita em 1896 por Anton Tchekhov - a personagem Nina diz essa frase. Ela é uma atriz que viaja pelos teatros das províncias russas e vive uma vida miserável. Agora nos deslocamos espacial e temporalmente para encontrar uma companhia de atores cariocas que decide montar Julius Caesar de Shakespeare. Tanto no plano ficcional quanto no plano real, o que a plateia vê é isso: uma montagem de Julius Caesar feita por uma companhia de atores cariocas. Contudo, no plano ficcional vemos uma série de conflitos internos a um grupo que decide fazer teatro no Brasil. E no plano real?
O central da peça está em justamente debater as condições do fazer teatral em um país onde o mercado não se constitui de carreiras mas de oportunidades únicas. No plano ficcional da peça, a diretora ao mesmo tempo dirige, atua e participa de uma novela. O aparente sucesso, na verdade, esconde a sobrecarga de funções. Em um contexto de incertezas cada trabalho precisa ser aceito, caso contrário, nunca saberemos quando vão reaparecer. O mesmo acontece com outros atores. Um não pode fazer a peça porque está gravando um filme no Nordeste. Outro acaba de superar uma doença gravíssima e está nos palcos ainda abatido. E outros disputam papéis de destaque, invejando e criticando o sucesso da diretora.
Através de paralelos com o enredo shakespeariano, a Cia. dos Atores revela como a brutal lógica de mercado se infiltra no teatro de grupo. Originalmente pensado como uma forma de produção horizontal e coletiva, aos poucos, pressionado pelas condições materiais, o grupo se transforma em empresa, com todas suas características: bajulação, disputa por vagas, descredibilização da mulher na posição de poder etc. A questão que se coloca é justamente essa: como garantir a dignidade coletiva do trabalho em uma sociedade competitiva?
Ao fim, todos do elenco se juntam, encaram o público e se maquiam, como se estivessem em um camarim. Seguem o trabalho, mesmo precariamente, mesmo com os conflitos, mesmo arrasados. Como Nina, carregam sua cruz e têm fé.

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