QUANDO AS IMAGENS EMPUNHAM RIFLES E FACÕES - sobre "Agropeça", do Teatro da Vertigem
- capivara crítica
- 28 de abr.
- 2 min de leitura
Dois eventos marcaram o início da temporada que ocupa com terra, feno e pirlimpimpim o galpão do SESC Pompeia: a Agrishow, espetáculo da monocultura; e a Feira da Reforma Agrária, festa da agricultura familiar. Dois imaginários sobre o mundo rural em combate. Esses projetos em disputa emergem na peça a partir das figuras do Sítio do Pica-Pau Amerelo: de um lado os zumbis da elite agrária, representada por Dona Benta, Pedrinho, Narizinho; do outro as personagens negligenciadas pela história oficial, como Anastácia, Saci, Emília. Enquanto o primeiro grupo busca sair da falência modernizando o sítio através de um rodeio instagramável, o segundo se organiza para assumir as rédeas da narrativa e com isso retomar o território. Aqui, tomar o microfone representa tomar alguns alqueires de terra.
Esse gesto aponta para a vinculação entre nosso imaginário nacional e nossas condições materiais enquanto país. Se desde crianças nós ouvimos as histórias de Monteiro Lobato para dormir, não seria de se espantar que como adultos nós cantemos “A roça venceu”. Dessa forma, o espetáculo realiza uma historiografia das imagens que temos do mundo rural, começando com o Sítio do Pica-Pau Amarelo, passando pelas modas de viola, por Mazzaropi, chegando às novelas e ao agronejo.
Nessas diferentes temporalidades também existe uma linhagem de agropeças, que tem como antepassado “O Juiz de Paz na Roça”, de Martins Pena, na qual o autor da corte explora os tipos do campo. Se há algo que passou e não passou entre Lobato e Zé Vaqueiro, também há algo que passou e não passou entre Pena e Vertigem. O riso permanece sendo a principal ferramenta de crítica, e ao mesmo tempo de diminuição das personagens. Benta surge apenas como uma fanática envolta em misticismos conservadores, e não como proprietária capitalista que opera na lógica dos cálculos agudos do mercado. Isso mascara o cruel e violento processo de retomada de terras empenhado pelas personagens marginalizadas. Aí está o perigo do espetáculo: ao focalizar o imaginário rural, há o risco de se esquecer que o rifle tem mais poder de fogo que o facão.

.png)




Comentários