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“SE TODOS DERMOS AS MÃOS, QUEM IRÁ SACAR AS ARMAS?”- a partir de “O mundo está em chamas e o teatro também tem de estar” do Teatro da Fumaça

  • Foto do escritor: capivara crítica
    capivara crítica
  • 19 de ago.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 19 de ago.

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“MACHA: Sí, Olga. Se murió tu marido y quieres revivir su muerte porque no puedes actuar. ¿A quién le importa? Afuera hay un domingo sangriento, la gente se está muriendo de hambre en la calle y tú quieres hacer una obra de teatro. La historia pasa como un fantasma, va a haber una revolución. ¿Y quién es tan imbécil para encerrarse en una sala de teatro y sufrir por amor y por la muerte? Me da vergüenza ser actriz. Es tan egoísta, es una trampa burguesa, un basurero, un establo de yeguas (...) Me dan asco. Podría partir por quemar este teatro, me gustaría verlo arder y con él la arrogancia y la vanidad. Detesto el amor del teatro, sus gestos falsos, su clase, su sorna, Me ahoga, Olga. No quiero trabajar pintada, no quiero verme bonita. ¿Quieren hacer algo que sea de verdad? Salgan a la calle y vean la fuerza simple de la violencia política, el fin del régimen. Es tan lindo matar a un General y reventar a un ministro con una bomba, sale olor a justicia. Los demás actores no van a llegar, los mataron” - Neva, de Guillermo Calderón


Diversas obras contemporâneas e jovens retomam a figura de Nina, de Antón Tchekhov, para representar sua crise frente ao teatro. A cena que se repete em mais de um espetáculo é a seguinte: uma atriz começa a dizer o célebre monólogo “O importante não é a glória, nem o brilho ou a realização dos sonhos, e sim saber sofrer. Saber carregar a cruz e ter fé! Eu tenho fé e não sinto tanta dor e, quando penso em minha profissão, já não temo a vida.”, mas antes de terminar interrompe a cena, em crise diante do sentido desse texto frente a um mundo convulsionado. A repetição dessa cena em várias obras indica um sintoma da juventude teatral, que tem sua fé no potencial transformador do teatro abalada. Convivem nesse grupo de artistas - do qual faço parte - o sentimento ao mesmo tempo comprometido com um teatro crítico e engajado mas descrente das suas reais consequências no mundo. É dentro desse dilema que nossas peças tendem a se debater, ora pendendo para um lado ora para outro.

Mas como reagir quando o próprio teatro passa a ser atacado? Diante de três histórias reais em que edifícios teatrais foram colocados em situações de risco, o Teatro da Fumaça elabora uma ficção de três personagens confinados em distintos teatros em distintos tempos. Em paralelo, meta-teatralmente, três artistas ensaiam uma peça, na qual vemos distintos pontos de vista sobre o fazer teatral: um diretor autoritário que hipocritamente cobra presença do elenco enquanto ele mesmo chega atrasado; uma atriz sonhadora que obstinadamente faz seu papel e segue a carreira, defendendo a utopia de um teatro transformador da realidade; e um ator que lida com seu fazer como um emprego, que reconhece que sua vida não é só teatro. Essa trinca de atitudes perante ao teatro vão se alternando, de maneira que somos capazes de compreender o ponto de vista de cada uma delas, mesmo que as consideremos ridículas, idealistas e românticas.

O efeito é amplificado na medida em que a situação dos ensaios é entretecida com as cenas-depoimentos criadas a partir de teatros em situações limite. Vemos Walter Pinto - empresário teatral revisteiro da primeira metade do séc. XX - sitiado junto com sua companhia em meio ao golpe de estado que depôs Perón e levou ao bombardeio do palácio presidencial. Acompanhamos as crises de um espectador, que no dia 23 de outubro de 2002, se viu em meio a um sequestro em massa no Teatro Dubrovka, em Moscou. Por fim, compartilhamos a tensão de uma atriz que resiste permanecer no Teatro de Câmara Túlio Piva, mesmo com as retroescavadeiras na porta. Ao longo da peça, esses momentos se mesclam e são adicionados outros, como a ordem de despejo ao Teatro de Contêiner e a disputa pelo Parque do Bexiga entre o Teatro Oficina e o Grupo Sílvio Santos.

Diante desses ataques que não param de surgir, um dos atores decide sair do palco, deixando para trás a mesa e a arara de roupas que servia de cenário e abrindo a porta do teatro, iluminada contra-luz. Contudo, é advertido pelos demais integrantes da trupe de que lá fora há outro palco, com outras portas com outros palcos, apontando para uma certa inescapabilidade do fazer teatral. Condenado ao teatro, volta para mais uma reunião do grupo, em que já com as luzes abaixando se discute a inscrição em mais um edital. A guerra física, representada nos momentos anteriores, se reconfigura no instante final do espetáculo, evidenciando a instabilidade econômica do grupos teatrais no Brasil, que a todo momento tem de escrever projetos e mais projetos, para talvez ter um curto período de trabalho remunerado.

O Teatro da Fumaça nos mostra então um grupo de artistas que em meio à pressões políticas e econômicas se vê diante da questão fundamental do sentido do teatro no mundo contemporâneo. A partir de exemplos do passado e do presente, o teatro parece emergir como vítima da história, um espaço a ser defendido à todo custo. Contudo, as atuações - que oscilam entre o realismo e o melodrama - colocam em ridículo a frase anterior. O exagero de Walter Pinto e o idealismo da atriz do Teatro de Câmara Túlio Piva mostram um descolamento da realidade desses personagens cujas realidades estão explodindo diante deles. Esse procedimento atoral e dramatúrgico reconfigura o sentido do título da obra. Se por um lado pode ser lido como uma convocação à politização e intensificação das obras teatrais, por outro pode ser um convite radical à mudança do panorama teatral, pois afinal certas práticas teatrais deveriam ser incendiadas. O teatro também pode ser ferramenta de extermínio, como nos lembra o pobre espectador moscovita.

Nesse sentido, a peça nos pergunta: teatro é gesto de resistência ou resquício de vaidade? Ao encenar a precariedade e a ameaça que pairam sobre as salas, o grupo expõe não apenas a fragilidade material dos espaços, mas também a fragilidade simbólica da própria arte. Resta-nos, então, a contradição fundamental: dar as mãos pode significar escolher a coletividade e insistir no encontro, mas também pode implicar se aliar com práticas artísticas e políticas que estão em um campo oposto ao nosso. Nesse dilema, o teatro arde — condenado a existir como fantasma e sobrevivente, espaço de risco e de desejo — e é justamente nesse ardor que talvez resida sua força. Força que se radicaliza, não quando pregamos a união geral e irrestrita do teatro a partir de frases abstratas, mas quando traçamos a linha de batalha, delimitando quem está do nosso lado e contra quem lutamos. Assim, mesmo que de maneira difusa e por vezes idealista, o Teatro da Fumaça nos convoca para uma luta concreta em defesa dos Teatros e de ataque contra aquelas instituições que insistem em nos matar.

 
 
 

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