UM POMAR DE TRÊS ÁRVORES - a partir de “Bom dia, Eternidade”, do Bonde
- capivara crítica
- 28 de abr.
- 2 min de leitura
Um baobá, uma favela, uma gameleira. Estas são as raízes da Trilogia da Morte, que discute as estratégias coloniais de mortificação das vidas negras em diferentes momentos. Se em “Quando eu morrer eu vou contar tudo a Deus” o foco estava nas infâncias africanas forçadas à imigração, em “Desfazenda: me enterrem fora desse lugar” nos adultos brasileiros escravizados pós-abolição, agora em “Bom dia, Eternidade” a tarefa é imaginar o futuro, uma vida para além dos 40 anos. A gameleira centenária no terreiro de uma casa destruída na periferia de São Paulo é a imagem síntese entre a violência e a resistência presente na trilogia.
Essa árvore, que para alguns cultos-afrobrasileiros é o próprio tempo, nos leva a imaginar outras estruturas dramatúrgicas. Nesse sentido, a peça embaralha a sequencialidade das ações, começando pelo fim, ou melhor finício. Ao entrarmos, as/os artistas do Bonde cantam com uma banda formada por artistas com mais de 60 anos. É uma celebração festiva da vida. Contudo, depois que a cortina desce, uma atriz evidencia que aquele é o final que o grupo gostaria de alcançar com o espetáculo, e que agora veríamos as tentativas de criar uma história em que, apesar das condições materiais de pessoas negras no Brasil, fosse verossímil uma velhice digna para essas vidas.
Quatro irmãos voltam ao terreno que fora a casa de sua mãe. Não há mais paredes, portas, janelas, apenas o terreno, a gameleira e uma carta. A carta permanecerá em mistério durante a peça, perdida nas redes das memórias, fluxos de consciência e jogos de espelhamento entre atores e banda. No fim, em uma leitura dramática do roteiro, revela-se o conteúdo da carta: o estado brasileiro restituirá todos os terrenos tomados pelos poderes públicos durante a Ditadura Militar.
O papel na mão dos artistas e a leitura entruncada, evidenciam a dificuldade da imaginação em um país de futuros abortados. Futuros que parecem apenas possíveis no plano da ficção. Não negando a condição das Artes no Brasil, a tarefa artística do Bonde parece ser: produzir no palco uma possibilidade, mas que deverá ser concretizada na plateia.

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