Vaga Carne - Grace Passô
- capivara crítica
- 28 de abr.
- 2 min de leitura
Vozes existem, que corpo é ouvido?
Uma Voz que toma um corpo e começa a reconhecer o que aquele corpo pode dizer por ser apenas um corpo. A Voz aparece com uma presunção de quem tudo sabe, mas vai entendendo que esse corpo, de uma mulher negra, é um corpo-análise, que cabe entendimento, que cabe atenção.
É verdade que a Voz sabe um tanto sobre habitar corpos, aquele não é o primeiro que ele ocupa, já foi de bicho a coisa a ser humano. Mas o que a faz se apegar ali? E mais importante, o que a faz implorar para sair dele ao final da peça e depois implorar para ficar?
“Espera, eu já sei quem ela é! Ela é uma mulher, ela é negra…e ela gostaria de dizer [BLACKOUT]”
Se as vozes existem, para além do corpo, quando elas ocupam um corpo, e dependendo de qual corpo, elas são escutadas?
Terminar a peça dessa forma parece levantar essa questão, porque o caminho de reconhecimento dessa Voz nessa carne fala sobre um monte, mas diz o que o corpo queria dizer?
Um corpo existe para além de uma voz.
Bastaria o corpo da atriz ali para ele já ser lido de mil formas.
Mesmo sendo a Voz nossa guia, em nenhum momento o corpo está calado, ele é sim explorado, descoberto, mas não é calado, ele reage a cada exploração de acordo com que a voz ocupa cada buraco. Existe aí a dualidade: a voz é dela ou a voz é de quem já tomou seu corpo?
E quando a própria voz encara o que é lidar com aquele corpo, ela pede para sair. Mas não é possível sair de um corpo que se habita, é preciso viver dentro dele, enfrentar suas dores.
Por isso é tão significativo que a peça acabe com uma fala interrompida, ou mesmo se foi mesmo interrompida ao invés de cíclica, porque uma vez que Grace Passô é também a dramaturga, a própria possibilidade de que o que ela queria dizer ser o que já foi dito é real, assim como pode não ser. Aí está a engenhosidade desse texto.
Para além do próprio texto, nessa apresentação feita no CCSP, a atuação é tão potente que ficamos hipnotizados. Em momentos de curiosidade, eu olhava para a plateia, estavam TODOS fixados em Grace Passô. É impossível não estar.É hipnotizante estar ali com ela, mas não alienante. Escutamos o que é dito, refletimos com ela (voz e atriz), seguimos junto com a voz para entender o que vemos e sentimos.
Outra grande potencializadora do que acompanhamos é a iluminação, que consegue criar diálogo por si só a cada pequena ênfase, cada recorte que dá para aquilo que a atriz diz e faz, e merece destaque aqui.
Por fim, Vaga Carne é um texto relativamente novo, mas já instaurado como grande texto dramaturgico brasileiro por abrir tantas possibilidades de interpenetração, e vê-lo no palco, depois de já existir em filme, é arrebatador.

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